03 julho 2013

Tum-plac-tum-tum-plac (Crônica)

Eles continuavam a estourar os sacos-bolha. Como eu disse, eram muitos. Pessoas passavam na calçada e ficavam olhando. Imagino a vontade que tinham de ajuda-los, quem sabe, assim, além de se divertirem, poderiam aliviar as tensões e o estresse dos dias do mundo adulto. Você nunca ouviu alguém dizer: “eu adoro estourar essas bolinhas, alivia o estresse”. Certamente, também, os transeuntes, os profissionais e os pacientes da clínica, algum deles, devem ter relembrado sua infância ao verem aquela cena, desde que vissem. E como é bom relembrar da infância. E os estouros continuavam, tanto dos pés, quanto das bolinhas: tum-plac-tum-plac-tum-tum-plac-tum-plac-tum-plac… tum-tum-tum-plac. Eles se divertiam. Nada além de aproveitar sua saúde e sua infância. As crianças sabem o valor do brincar. Brincar é tudo. Brincar é um treinar para a fase adulta. Você pode ser qualquer coisa, em qualquer tempo. Pode casar, pode namorar, pode ser médico, pode ser bombeiro, motorista de caminhão, modelo, enfermeira. Brincar de cozinha e mais um monte de outra coisa. É um treino, certamente.

Enquanto os adoráveis irmãozinhos divertiam-se na calçada, seus pais trabalhavam. Sim, todos era recicladores. Aquelas pessoas que montam um carrinho com rodas encontradas no lixo que descartamos, improvisam um eixo, bem como improvisam os ferros que soldados dão o formato do carrinho. Sim, aquele carrinho que alguém puxa desde cedo, desde bem antes de você acordar e ir para o seu trabalho. Sim, aquelas pessoas que você não vê, enquanto está no trabalho ou dentro de casa. Ou não vê mesmo quando passa por elas na rua. Elas, muitas vezes, são invisíveis para muitos. Na verdade você até vê, mas não enxerga. E entre ver e enxergar há um enorme hiato.

Era uma família. Um casal de mais ou menos idade entre trinta e cinco e quarenta anos, acompanhados de seu casalzinho de filhos, recolhendo aquilo que a gente joga fora. Pegavam as inúmeras caixas que, por sorte, naquele dia estavam naquele local, naquela hora em que eles passavam. E mais ainda a grande quantidade de sacos-bolha, que, antes de serem bem dobrados, assim como as caixas de papelão, eram um brinquedo divertido para seus filhos e motivo de lembrança para quem passava. E para mim também, que próximo observava. Aquelas caixas e aqueles sacos-bolha renderiam um dinheiro extra, sem dúvida. Um verdadeiro achado.
Lembro que os tum-plac eram constantes, até que num determinado momento o pai repreendeu os dois, sem precisar mais do que dizer para pararem. Só um chiiiiiii. Mais ou menos assim. Em menos de um segundo os dois ouviram o chiado do pai e pararam. E em menos de outro segundo após, reiniciaram a brincadeira, mas também dobrando as caixas de papelão que o pai e a mãe separavam, desmanchavam, dobravam e acomodavam no carrinho que logo partiria para a venda da mercadoria encontrada. E olha que era bastante material, mas a agilidade deles era notável. Assim como o sorriso das crianças.

Enquanto isso, os carros passavam. Uns mais devagar, outros mais depressa. Alguns estacionavam, outros saíam. Era horário de pico. Terminava o expediente de muita gente. Iniciava o de outros. Mas o deles continuava. As pessoas passavam, desviavam. Como há muitos desses recicladores na cidade que já fazem parte do cotidiano, talvez as pessoas já estejam acostumadas. E de certa forma sim. É perceptível que muitos já preparam o material de descarte e deixam próximos às lixeiras das ruas, separadas do restante do lixo para que o recicladores (não catadores de lixo) já tenham à mão o que buscam. Mas também muitos passavam e não os enxergavam. Eu tive o privilégio de acompanhar a brincadeira ingênua e feliz das crianças bem na minha frente. enquanto aguardava meu compromisso. Ver o sorriso dos irmãozinhos foi presenciar a alegria de um casalzinho de filhos, que junto com seus pais trabalhavam. E brincavam. O que chamou muito minha atenção foi o cuidado que a mãe tinha para que as crianças permanecessem na calçada, mas sem muita preocupação, pois eles obedeciam muito bem enquanto trabalhavam-brincando. Dava pra imaginar que os pais eram afetuosos e que eram uma boa referência aos filhos. Foram poucos os minutos que eu os vi, mas foram muitas as coisas que pude perceber. Cada segundo, cada detalhe, cada momento. Poucos momentos de muitas situações.

A porta se abriu. Entrei. As crianças continuavam a brincar e a trabalhar. Seus pais finalizavam seu trabalho. Os carros passavam. As pessoas se desviavam umas das outras na calçada. Mas lá de dentro de onde eu estava, eu continuava a ouvir os tum-plac (tum dos pezinhos, plac dos estouros dos sacos-bolha), e toda a cena me vinha à mente: os sorrisinhos e carinha de felicidade dos irmãozinhos que brincavam, ao mesmo tempo que trabalhavam e felizes acompanhavam seus pais.

Tum-plac! (Mate a saudade ou alivie seu estresse: CLIQUE AQUI e estoure o saco-bolha)

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