03 julho 2013

Leitura de Intervalo

Menos movimento. Tudo parecia estar mais parado. À sua frente, caíam as folhas dos ipês, tanto do rosa, quanto do roxo. Pequenos galhos mais secos também iam ao chão, num encontro que provocava um sonoro mínimo estalo. E aliás, seco era o vento, que já era frio. Na verdade o vento empurrava o ar frio.

Tentava proteger as orelhas do vento Minuano, característico do sul, mas não obtinha muito sucesso. Caíam as folhas lentamente. Caíam os galhos também. Caía a temperatura que, graças ao Minuano, fazia a sensação térmica beirar os três graus. Bei!!!

Lia. Pelo menos tentava ler. Um hábito e tanto, diria digno e nobre, além de prazeroso e valioso. Passava o tempo. Não!. Lendo, ganhava o tempo. O tempo era seu. Aproveitava. Folhava uma das mais de quinhentas páginas de um romance,. Páginas amarelas, clarinhas, da melhor textura, com cheirinho de novo e capa grossa, com um jogo de três cores. As letras douradas do título davam uma beleza que contrastava com cor fosca da capa preta. Uma capa macia, deliciosa de se tocar e de se olhar. Um conjunto de coisas de um livro que o fazia suspirar de prazer ao tê-lo nas mãos. Naquele tempo. No seu tempo.

Olhava longe, enquanto descansava o pescoço após alguns minutos de leitura do livro que se encontrava no colo. Estava tenso, de certa forma encolhido devido ao frio que não dava trégua. A natureza é mesmo implacável, sem dúvida. E as folhas caíam, os galhos arrebentavam. Alguns transeuntes, a passos largos, fugindo do frio, ou porque estavam com frio, passavam com olhos arregalados, cachecóis enrolados no pescoço, luvas, botas, casacões, todo o equipamento para se proteger e enfrentar o inverno que iniciará amanhã. Mas Inverno esse que já havia chegado. Sem pedir licença. Invadindo. Sim, sem avisar. É o vento. É o frio. É o tempo. É o inverno. Sempre vem. Sempre vai. Sempre retorna. Junto com a gente.

E lia, com os olhos por vezes lacrimejados por causa do vento Minuano. A boca pouco seca, mas as mãos, cobertas pelas luvas de lã, com linhas grossas, de um tricotado bonito, feito por outras mãos. Mãos que cobrem mãos. No banco em que estava, ficava de frente para uma calçada de pedrinhas brancas e cinzas, que formavam um desenho nada de extraordinário, mas que em seu comprimento atravessava o parque e se encontrava com outros caminhos. Era uma calçadinha ordinária, quem sabe. Sem um padrão. Praticamente imperceptível o desenho. Mas que contrastava com o verniz do banco de ferro, da antiga estação de trens da cidade. Banco e calçada, somavam-se ao verde, quase não muito verde, de um gramado bonito e longo, mas já seco por causa do senhor inverno. Um gramado que chegava até às árvores de uma espécie que dão uma sombra perfeita no verão, mas que deixavam a desejar quando se tratava de compará-las com os ipês. Ah! Os ipês. O rosa, o roxo. Tem também o amarelo. Fazem linda paisagem quando seus galhos e flores mais altos encontram o céu azul de uma tarde de outono. Mas era o inverno chegando. Que chegou.

E lia. Não abdicava do tempo. Preenchia-o com o romance das páginas amarelas, com textura adorável e cheirinho de novo. Sim, havia comprado o livro na semana passada, na livraria onde, por vezes, compra o jornal. Uma livraria que é no centro da cidade, perto de uma cafeteria.
E assim como a natureza é implacável, o tempo também. Ele não para. E, por isso, as horas passaram, assim como os transeuntes pela calçadinha à sua frente. Fechou o livro, que disparou aquele cheirinho de novo, mais uma vez e fez aquele barulhinho de livro grosso quando é fechado. Marcou a página com o marcador de páginas que pegou entre os tantos no caixa da livraria onde comprou o livro. Espichou-se. Espreguiçou-se. Era hora de voltar à realidade. Ao expediente. Trabalhar. Esperar o próximo momento para enriquecer-se de palavras do romance que estava lendo. Enquanto isso, as folhas caíam. Os galhos pequenos caíam. O sol, tímido, tentava aparecer. O vento não dava trégua. O frio era forte, mas suportável. Mas nada disso tirava o prazer de ler o livro novo, com cheiro de novo, no intervalo que dispunha. Leu. Descansou. Aproveitou o tempo. E o inverno se preparava para a apresentação no outro dia, mesmo tendo a cara de pau de chegar antes, talvez ansioso para dominar os dias até a doce primavera. Suspirou. Guardou o livro na bolsa, levantou, e seguiu pela calçada ordinária que era o seu caminho de volta. E também de retorno, no próximo dia, para o intervalo de leitura. Leitura de intervalo.

;) Cleuber Roggia

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