03 julho 2013

Crônica do Intervalo*

Pensava, enquanto observava a moça da Cafeteria arrumar as mesas para o iminente término de expediente. Um tarde que já se ia, dando lugar a uma noite chuvosa e inicialmente fria.
Pensava, enquanto observava o pão quente, com presunto e queijo e um ovo, que na soma de tudo lhe preencheria o estômago vazio, numa torrada fatiada ao meio, formando dois triângulos após longa tarde em que parecia ter se esquecido de comer algo.

Pensava, enquanto ouvia o casal ao lado – que juntos somavam três clientes – discutir questões familiares em tom natural, bem família. Criticavam as atitudes de alguém próximo, enquanto o café esfriava e o quibe que a senhora havia pedido era apontado à boca par ser devorado.
Pensava, enquanto a moça da Cafeteria preparava o café com leite bem denso, quente e com afeto que lhe demonstra, pelo tempo de clientela, provavelmente, bem como pela simpatia recíproca que, de certa forma, não é muito comum entre cliente e atendente, pelo menos não com a maioria, mas recíproca com uma minoria que observa o detalhe e encontra alegria em cada momento da vida, em cada segundo.

Pensava, enquanto as lojas da galeria do café se fechavam, e os funcionários saíam aos poucos, uns mais rápidos, outros mais lentos, mas todos, em tese, buscando o rumo de casa, ou da faculdade, ou coisa que o valha. E nesse processo de fecha-loja-vai-embora, os funcionários misturavam-se aos transeuntes que passavam – e passam diariamente – pela galeria, bem como se juntavam aos outros tantos que vem e vão para algum lugar, deixando o corredor frio que se forma entre uma abertura e outra da galeria, parecer um atalho, um vão. Sim, um vão, onde alguém passa. Onde alguém vai. Onde alguns vão. E vem. E vão.

Pensava, enquanto recebia a xícara de tamanho médio com o café com leite insuperável no preparo, gosto e temperatura, além do conjunto afeto-reciprocidade-cordialidade-respeito. Com meia torrada, ou meio triângulo do que restou, ou seja, metade daquilo que pediu que já lhe acalmava o estômago. Era quase um silêncio, apesar do casal ao lado que ainda falava, mas pouco, em tom baixo, e devagar, parecendo que o que mais lhe importava no momento era o quibe e o pastel de carne pedidos, além da bebida quente.

Pensava, enquanto a televisão estava desligada, elevada ao lado oposto em que estava sentado. Olhava, observava e comia. Bebia. Pensava. De repente, um cumprimento, que veio do agora vácuo da galeria. Sim, ela já estava bem vazia, uma vez que os que iam e vinham, já tinham ido e vindo. Era o moço que saía da loja de trajes masculinos que lhe enxergara e lhe cumprimentava, ao levantar o braço, unir os dedos e o acenar, com um sincero sorriso no rosto.

Pensava, enquanto, talvez, as ideias do dia e da vida se (re)organizavam, após uma tarde cinza e chuvosa. Pensava. Comia. Bebia. Olhava. E ainda escutava o casal ao lado, já mais sereno e alimentado. O quibe já era! O café provavelmente já estava frio. O tempo estava frio. E esfriava mais. Chovia e parava. Logo recomeçava a chover.

A torrada se foi. O café com leite se esvaziava. As horas passavam. Sim, o tempo não para. Nunca para. A xícara já não estava mais quente. A moça que limpava o chão, agora arrumava a estufa com os salgados, enquanto a outra terminava a limpeza das taças, dos copos, dos pratos, que serviram muitos, como em qualquer cafeteria. Aliás, ali tem um chocolate quente sem igual, com chantili e canela.

A xícara esvaziou. O lugar estava quase vazio. A pouca conversa parou. Era hora de sair. De ir. De ocupar um espaço no vácuo do túnel da galeria fria e pouco escura. Era hora de pagar. Era hora de ir. Houve uma troca de valores. Um dinheiro que saiu do bolso, outros que saíram do caixa da velha Cafetaria. Uma Cafeteria bem Santa Maria. Era mais um tchau. Era mais um obrigado. Era mais um detalhe da reciprocidade cotidiana de alguns com os atendentes da cafeteria. E surge a frase: “Mas tem mesmo que pagar”, perguntou, ao que foi respondido: “Parece que sim”. Tudo com sorrisos sinceros, meio tímidos, mas sinceros e cordiais. Pergunta e resposta que de certa forma geram uma anedota. Quem sabe cotidiana. Mas que gera risos. Cria um processo dinâmico social. Tudo em poucos segundos. Tudo após alguns segundos de troca entre quem consome e quem serve. E aí está o que mais impressiona: o intervalo. Uma ação gera uma reação e assim sucessivamente. E a relação está entre esse processo. É dinâmica, assim como o mundo. É dinâmica assim como a vida. É dinâmico assim como eu. Assim como você.
Pensava… pens..

* Quando residi por dois anos no Pará, ao final de 2012 tive a oportunidade de dividir alguns dias e ótimos momentos com Maria Rita Kehl (psicanalista). E em muitas vezes, coisa que guardo e guardarei sempre, é que eu percebia que ela cuidava o detalhe, e eu também o faço. Mas o que mais guardo é que nessas muitas vezes, algo que lhe chamava a atenção, como por exemplo, uma flor, uma árvore ou um momento, ela dizia: “isso dá uma crônica”. Eu adoro crônicas. E busco escrevê-las. Não é nada fácil. Mas me arrisco. Aliás, na vida temos que correr riscos. Corremos riscos. E arriscar crônicas é de graça. Portanto, está aí a “crônica do intervalo”. Cada momento dá uma crônica. Na cafeteria “isso dá uma crônica”. Deu uma crônica.
PS.: sempre perdão por erros gramaticais.

;) Cleuber Roggia

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