25 outubro 2013

Trinta segundos. Um sorriso.

Passinhos curtos. Pequeninos. Pés descalços. Não estava frio. Ainda bem! Desceu a calçada. Chegou à rua. Seu, imagina-se, irmãozinho junto. Mais atrás. Passava das dezenove horas. O entardecer estava bonito. Aquele que só era pouco atrapalhado pelo vento, que teimava em levar poeira aos olhos e revirar os cabelos. O sol já estava se pondo. O céu estava na melhor e mais bonitas das cores. O semáforo, no sinal vermelho, destacava-se no azul escurecido do céu de primavera. Os carros acendiam os faróis. Carros parados. Uns atrás dos outros, numa fila indiana, aguardando o verde sinal. A sempre largada em cada sinal de esquina. Carros numa esquina. Uns subindo, outros descendo. Alta velocidade. Velocidade controlada. Gente se deslocando para o ponto de ônibus. Alguns na faixa de segurança. Outros passeando. Os rádios ligados. Luzes internas dos carros todas iluminando seus condutores e decorando o ambiente, com decibéis nos ouvidos. Todos os estilos de música. O cansaço do fim do dia e da semana, numa sexta-feira, atropelando cada um de nós. Ela desce. Desce a calçada. Não era a primeira vez nesse dia. Certamente que não. Ao longo de seus, no máximo, nove anos, ela desce. Desce a calçada. Aproveita, acostumada, "treinada", quem sabe, para isso. Condicionada. "No automático", talvez. Entende, né? Passinhos curtos, aproxima-se do motorista: - uma moedinha, por favor. - Não. Segue sua rotina. O irmãozinho atrás. Cerca de cinco anos. Não mais. Ela segue ao condutor do carro seguinte. O semáforo está vermelho. Não vai demorar a abrir o verde. Ela "corre". O não, imagino, do primeiro motorista nem é escutado. Não escuta. Apenas ouve o não. Não sofre com isso. É automático. Muitas de nossas atitudes são. Já se avaliou? O próximo motorista. Sim, uma moedinha vai para a mão dela. Sorri. Timidamente sorri e agradece. Ela é uma indiazinha linda. Pronto. Próximo carro. Com a moedinha do último condutor, ganha o dia. Será? Talvez. Ganha aquela parada. Ganha aquele momento. Próximo dali, a uns mais ou menos oitocentos metros, seus familiares acampam-se em casas improvisadas. Na verdade, moram ali. Aguardam a ajuda. É uma tribo. Não sei de onde. Mas esperam. Trançam seus cestos. Aguardam, também, a "ajuda" dos semáforos. Terceiro carro. Ela vem se aproximando. Caminha. Passinhos curtinhos. Não está frio. Ainda bem. Ela está de bermudinha. Camisa regata. Cabelos negros, muito negros. Lindos. Aquele cabelo da índia nativa. - Moedinha? Ela pergunta. O condutor não fala nada. De repente, um sorriso. Os dentinhos aparecem após o largo sorriso. O irmãozinho aguarda atrás, sempre companheiro. Tem a irmã como guia. Como líder. Espera nela. Ela sorri. Ao invés de moedas, uma nota de dois reais. Surge. Azulzinha. Limpa. Novinha. Largo sorriso. Surpresa. O sorriso é retribuído. Ela não só tem uma surpresa, mas alguém que a reconhece como pessoa. Alguém que a reconhece como cidadã. Alguém que a reconhece como alguém. Não pelos dois reais lhe cedidos, mas pela retribuição do sorriso. Sorriso que vem, sorriso que vai. Dá um passo trás. O sinal abriu. Ela sobe na calçada, sob a escolta do amado irmãozinho - imagina-se irmãozinho. Segue para a esquina, próximo aos arbustos da triangular pracinha. É hora de aguardar o sinal vermelho e recomeçar. Ele avança seu carro. Sim, o condutor do carro em "terceiro lugar" no "grid de largada" daquele semáforo. Passa por eles. - Tchau! - Tchau! Ela retribui e joga o sorriso de volta. Poucos segundos que definem cidadãos. Que definem pessoas. Que nomeiam e escrevem gente. Somos iguais. E ela segue feliz e sorridente. Ela, talvez, ganhou o dia naquele momento. Talvez. Não. Quem ganhou o dia foi o condutor do terceiro carro, que recebeu um sorriso sincero e puro de uma criança. Ela é indígena. Ela é uma criança que nem as outras. Não há diferenças no mundo. O mundo é que as cria. É uma criança pedindo ajuda. É um adulto, que reconhece o outro. O outro, ah, o outro. Quem somos nós sem o outro? Quem seria, naqueles preciosos segundos, aquela afetiva e linda indiazinha? Quem seria, naquele momento, o condutor do terceiro veículo? Não importa. Foram poucos segundos. Foram trinta segundos que o semáforo ficou no vermelho. Foram pouco mais de dez segundos de contato com a querida menina. Mas foram eternos. Um breve momento - a vida é feita de momentos - em que ela não esperava a nota, esperava a moedinha. Ou um não. No automático. Um breve momento em que ele não esperava o sorriso, esperava, talvez o obrigado. Surpresos. Ambos surpresos. A vida. Sim, a vida. Ela é feita de momentos. Momentos que são únicos. Momentos para ela que pediu, para ele que doou. Momento que ele ganhou um sorriso. E um sorriso de uma criança, ah, não tem preço. Partiu. Seguiu. Atravessou a esquina. Foi. Ela ficou. Mas o momento eternizou. O entardecer segui lindo, dando lugar a uma noite meio fria. Linda. Noite de primavera.
 
 

3 comentários:

  1. De blogueiro a escritor! Ficarei honrada em receber um livro autografado! Que bela crônica querido Cleuber! Quanta reflexão em apenas um texto! Quem somo nós sem o outro? Quanto vale um sorriso sincero? Há momentos que fazem valer todo um dia cansativo, que fazem renovar as forças e o animo. Eu adorei este texto dr! A cada dia que passa você me surpreende! Não me canso de admirar sua escrita! Biula (@papo_literário)

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    1. Nem sei o que te dizer, Biula. Só agradecer. Obg sempre pela motivação. Muito obg de coração, vc sabe disso.

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  2. Oii te indiquei a um prêmio la no blog
    Link: http://www.leitorasdechocolate.blogspot.com.br/2013/10/the-versatile-blogger-award.html

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